Leonel Farah e seu legado jornalístico e político
03/03/2025
CHICO GUIL
Jornalista/Escritor
Um dos mais criativos, afiados e corajosos jornalistas de Guarapuava, Leonel Farah despediu-se neste dia 2 de março. Seguiu mansamente e sem lamentos, após vários meses de luta contra uma doença obstinada. Seus dias derradeiros ele passou internado no Hospital Evangélico, em Curitiba. Nessa última semana, publicou uma crônica da infância — passada na fazenda de café da família, em Ibaiti-PR — em sua página no Facebook, intitulada “Os ovos do galo”.
Leonel e sua esposa, Maria Inês: casal dedicou grande parte de sua vida a Guarapuava
Nas duas últimas décadas Leonel morou em Curitiba, na companhia de sua esposa, Maria Inês. Próximo à Arena do Athlético, no bairro Água Verde, em parceria com o filho Rodrigo, eles montaram um restaurante especializado em comida árabe — Vó Zahía (honra à avó paterna de Leonel, da família Dib). No mesmo local instalaram o Potato Express, com entrega domiciliar de batata suíça. Leonel e Rodrigo administravam, enquanto Mari dedicava-se às artes culinárias.
Mas a vida mais intensa dos Farah ocorreu em Guarapuava, cidade escolhida por Leonel para desenvolver seu talento jornalístico. Nesta Terra do Lobo Bravo ele revelou seu grande potencial como jornalista e cronista de finas e agudas letras. Do decorrer de três décadas, além de produzir alguns dos textos mais intensos e primorosos sobre a realidade guarapuavana — publicados no seu próprio jornal, Esquema Oeste — Leonel deixou um grande legado de conhecimentos na área jornalística. Todos que passaram pela redação do Esquema saíram tonificados pela abundância de conhecimentos que o mestre lhes proporcionava. Inclusive, este escriba, que teve o privilégio de trabalhar com Leonel, já nos estertores finais daquele informativo.
Nessas conversas, ele esmiuçava os bastidores da política, onde conquistou grandes vitórias
Mas o meu convívio maior com o Leonel deu-se no ambiente doméstico — ele era avô de meus filhos, Jade e Julian — no qual passamos incontáveis horas debatendo os encantos e desencontros de Guarapuava. Nessas conversas, ele esmiuçava os bastidores da política, onde conquistou grandes vitórias — como a eleição do prefeito Fernando Carli, cuja primeira campanha ele coordenou, aplicando métodos marqueting jamais vistos na região — e também uma sequência de revezes, que levaram-no a abandonar a cidade.
Adolescente, Leonel foi estudar em Curitiba, onde conheceu Maria Inês de Souza. Ela tinha 13 anos quando começaram a namorar. Após formar-se em jornalismo na UFPR, e já casado com Mari, em 1967 Leonel retornou a Ibaiti, onde atuou como professor de matemática numa escola pública local. Nesse mesmo ano fundou o primeiro jornal daquela cidade, intitulado “Norte Pioneiro”. O município estava comemorando seus 20 anos de emancipação política.
O “Portal Ibaiti” destacou os préstimos de Leonel Farah e também de seu pai, Júlio Farah, àquele município.
Polêmico, amigo e pensador, ele marcou gerações com suas palavras e análises contundentes
“Conhecido por sua inteligência, espírito crítico e coração generoso, Leonel era uma figura emblemática da imprensa paranaense. Polêmico, amigo e pensador, ele marcou gerações com suas palavras e análises contundentes, principalmente sobre os rumos de Ibaiti e da região Norte Pioneiro. (...) Leonel também carregava em seu nome o peso da história familiar. Seu pai, Júlio Farah, foi o primeiro prefeito de Ibaiti, em 1947. Em sua homenagem, a principal praça da cidade, a Praça Júlio Farah, foi inaugurada em 1982 e até hoje guarda o busto do ex-prefeito como símbolo do pioneirismo e da construção da cidade”.
Júlio já havia sido prefeito do município de Ribeirão do Pinhal. Além de deputado estadual, foi secretário de Estado de Interior e de Justiça, no governo de Ney Braga. Após uma viagem à região Norte do Paraná, a serviço do governo, ele chegava em Curitiba à bordo de um pequeno avião, quando o aparelho caiu sobre o bairro de Santa Felicidade, levando-o a óbito.
O afeto de Leonel por seu pai era tamanho, que todos os seus filhos homens (Rodrigo, Guilherme e Daniel) têm Júlio como segundo nome.
Dentre os deputados, colegas de Júlio, estava o guarapuavano Moacir Júlio Silvestri. Em 1970, a amizade entre suas famílias resultaria num convite de Moacir para Leonel abrir um jornal em Guarapuava. Nessa época, as matérias incisivas do Norte Pioneiro sobre as problemáticas municipais de Ibaiti já estavam causando perdas de apoiadores, como geralmente ocorre com jornais críticos. Foi assim que Leonel, com Mari e a filha Audrey Lilian, transferiram-se para Guarapuava.
Nos anos seguintes, por meio do jornal Esquema, Leonel travou inúmeras batalhas por projetos de melhoramentos no município. O auge do semanário, seguido de seu declínio, ocorreu no final da década de 1990, no período das denúncias contra as propinas pagas aos legisladores pelo Executivo Municipal. Batalha conduzida por Leonel, no Jornal, e pelo radialista Francisco Carboni, na Rádio Cultura. Ao final, sentindo a pressão, um dos vereadores entregou o jogo no microfone da rádio, escancarando os esquemas entre Prefeitura e Câmara Municipal.
Nesse período, devido à sua postura crítica e intransigente quanto à condução do Patrimônio Público Municipal, Leonel viu o Esquema perdendo gradativamente seus apoiadores, como havia ocorrido com o Norte Pioneiro.
A comunidade guarapuavana revelou-se despreparada para conduzir à Câmara um dos homens mais aptos ao cargo de legislador de sua história
No ano 2000, apesar das muitas decepções e também das traições sofridas na área política, Leonel ofereceu seu nome como candidato a vereador. O carro-chefe da sua campanha era um livreto de várias páginas, nas quais ele esmiuçava os deveres e as possibilidades de ação do homem público. Mas a comunidade guarapuavana revelou-se despreparada para conduzir à Câmara um dos homens mais aptos ao cargo de legislador de sua história. Em 2002, com o jornal Esquema encerrado e a gráfica fechada, Leonel e Mari transferiram-se para Curitiba.
A sede do jornal/gráfica era um barracão de madeira, na rua Azevedo Portugal. Ao sair de Guarapuava, Leonel deixou um grande volume de exemplares do jornal, que guardava como arquivo.
O RESGATE DO ESQUEMA
Em meados de 2002, Leonel estava hospedado em minha casa, em Prudentópolis, a caminho de Guarapuava para organizar coleções do informativo — 30 anos de publicações resultavam num volume enorme — que pretendia disponibilizar a instituições locais. Subimos a Serra da Esperança e, chegando ao velho Esquema, constatamos que a sede tinha sido invadida. E que todos os exemplares do jornal haviam sido roubados.
Saímos pela cidade em busca dos depósitos de lixo reciclável. Após algumas visitas, num deles Leonel viu, enfiado num grande bloco de folhas brancas, uma ponta alaranjada de um envelope. Extraiu-o e constatou ser um envelope timbrado do Esquema. Não dissemos nada ao proprietário, mas fomos à delegacia.
Leonel relatou o caso ao delegado e disse-lhe que não pretendia penalizar os ladrões. Só queria os jornais de volta. O delegado concordou e enviou uma equipe ao depósito referido. No dia seguinte, os jornais foram devolvidos ao proprietário. Somavam cerca de uma tonelada. Durante semanas, Leonel dedicou-se a selecionar as edições por data, somando quatro ou cinco coleções. Algumas delas foram direcionadas a instituições de ensino de Guarapuava.
Encerro dizendo que Leonel foi uma das dez pessoas mais lúcidas que conheci. Além de um amigo leal e generoso.
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